quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Amor bandido - texto de Tatiana Campos

Amor Bandido

O amor bandido chega, e’ logico, sem aviso, quando voce nao espera. Chega de supetao, muitas vezes parece inocente. Mas nao e’, obvio.
Ele rouba o seu sono e invade seus sonhos, quando exausta, a vitima enfim, consegue dormir. O criminoso e’ mentiroso mas parece ser friamente sincero quando muitas vezes e’ desnecessario ser.
Quando consegue uma vaga se instala bem no corac,ao e aanc,a para a mente, como um parasita. Suas intensoes variam: pode roubar apenas seu tempo e atenc,ao, pode ser que esteja a procura de abrigo, comida, dinheiro ou pode estar simplesmente ensaiando para o golpe real, o que vai lhe ajeitar a vida por longo tempo. Se voce possuir abundancia de recursos, muito cuidado para que tal bandido nao se torne seu conjugue.
Melhor e’ evitar os bandidos nas fases iniciais do abuso. Alguns sintomas iniciais do ataque criminoso e’ sua aldaz capacidade de arrancar segredos com jogos e torturas prazeirosas mas que sao, depois percebemos, venenosas, vergonhosas e um vertiginoso medo sao o resultado…e mais noites em claro.
Amores bandidos porem sao bons aos poetas que os utilizam como combustivel, inspirac,ao. Tambem ajudam a perder peso e fornecem um esplendido estimulo para melhorar a forma fisica, a aparencia em geral. Mas so’ nas fases premiliares porque depois causam, ao contrario, o aumento de consume de perigosas calorias, gorduras, alcool e outras drogas; emaranha e faz cair os cabelos enquanto outros pelos crescem como moitas inapropriadas. O resultado e’ visivelmete degradante.
Pior ainda, amor bandido rouba seus escrupulos, suas crenc,as e sua sanidade mental. Nem sempre o bandido se apropria dos bens materias da vitima mas sempre lhe rouba a paz. Este ladrao com certeza, faz mal ao corac,ao que passa a bater descompac,ado, pirado, desenfreado. O ritmo incerto afeta a respirac,ao e portanto a capacidade do afligido se concentrar. As obrigac,oes do abusado corac,ao terminam por naufragar. Profissao, estudos, vida social e familiar sao fortemente prejudicadas. A vitima pode ainda sofrer de lagrimas irrepressiveis, de odio, preguic,a ou irracionalidade baseada na falsa esperanc,a do amor bandido se converter a um amor estabelecido, inclusive com carimbos burocraticos atestando a relac,ao. Esta e’ a fase ilusoria do processo. Este estado compulsivo afeta a capacidade mental do individuo que ve tudo como imparcial, torna-se egoista e por fim pessimista, um desconsolo para a familia, visinhos, colegas e a sociedade em geral.
Vitimas do amor bandido, porem, nem sempre desejam apagar da memoria a ousada e destrutiva intervensao do bandido. Por vezes, quase sempre, em apelos dolorosos e fria ansiedade, deseja este bandido chegando de supetao, invadindo os sonhos, torturas e tudo!
Porem, como era de se esperar, o amor bandido some assim como aparece. Nao deixa rastro nem contato, claro. Some como se fosse so’ fantasia deixando a alma desolada ao consolo imprudente do chocolate, das comedias romanticas e seus galas, `a toda sorte de produtos ingeridos para aplacar a intolerancia desta sa solidao!
Finalmente, depois de tempo indeterminado, dias a decenios, a vitima pode vir a se reintegrar a sociedade. A cura e’ conquistada pela desilusao, a desativac,ao da ilusao. O processo requer o reconhecimento e valorizac,ao da realidade, atividades espirituais que levam a vitima a reconhecer seu valor, sua potencialidade, sua gratidao e os sinais do verdadeiro amor que se baseia sempre no amor-proprio. Para identificar tal amor, o verdadeiro, o respeito mutuo, o prazer da compania e do desenvolvimento progressivo dos interesses do proximo sao evidentes.
Loucura de amor bandido e’ doce e amarga mas ainda bem … o que nao mata so’ engorda! E como dizia vovo, e’ melhor prevenir do que remediar.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Para ser solteira

Ter na geladeira um vinho branquíssimo e sequíssimo, capaz de refrescar qualquer ponto escuro da solidão. Usar calcinhas e idéias de bolinhas. Verdes, vermelhas e amarelas. Gravar a mesma música 25 vezes e a cada vez poder gritar bem alto: “POR QUÊ? Por quê? Por quê?”. Ter um prazer danado e passageiro. Ser solidão.
Esquecer-se em alguma esquina, padaria ou supermercado e depois encontrar-se feliz da vida. Mas não lembrar-se de que. Fazer anotações simples e poéticas em um caderninho cor de terra e pequenino assim para caber na bolsa. Ouvir três previsões diferentes no mesmo dia só para depois duvidar de tudo. E acreditar em tudo. E deixar o imprevisível para amanhã.
Ser solteira é achar tudo sexy e possível. É perder completamente as amarras. É ver formas em um pingo d’água. É beijar na boca do vento. É adorar mãos e braços. É a vontade de tatuar o futuro no corpo. É um estado de espreguiçar contínuo.
É ficar sozinha. E deliciosamente nervosa e contraditória. É achar tudo impossível. É ver os sonhos tão longes quanto as estrelas. É ter um altar de santos de todas as religiões. E acender uma vela para cada possibilidade. É não ter religião nenhuma.
Ter saudade o tempo todo. Doendo como vício. Da tarde, da noite, do fundo e da janela. É ter frestas para arejar. Encontrar pintas novas pelo corpo. Ter uma pilha de livros ao lado da cama como criado-mudo. Comer montes de uvas e fazer um cavalinho com os caroços.
Querer você sem querer você. Ter um outro você para te substituir e ficar sozinha ao mesmo tempo. Sentar-se no escuro da varanda e olhar bem atentamente a bundinha acesa do vaga-lume. E depois ligar para a mãe dizendo que teve uma premonição.
É ser amada pelo mundo inteiro, dando a volta por todo o céu. E não ser a queridinha de ninguém. É ter descanso. E ficar cansada. Dizer que dessa água não bebe e encher a cara logo depois. É alucinar com homens voadores.
Achar que se a cantada fosse um pouquinho mais sacana, ia dar samba. Dançar até doer. Ficar á beira do mundo, achando que o amor é precipício. E um dia desses: pular.

O macho alfa

Eu moro em uma casa com cinco gatos e um cachorro. E um marido. Convivíamos todos muito pacificamente, até que o machão alfa, o gato, não o marido, começou a sentir-se ameaçado. É que o pequenino filhote acolhido depois do abandono alheio cresceu. E ficou vistoso. E ficou fortão. Então, como era de se esperar, segundo o marido, quis tomar o lugar do alfa.
Eu tenho para mim que preguiçoso e amoroso como é, o pequenino que cresceu, não está nenhum pouco a fim de tomar o lugar de ninguém. O macho alfa é que é inseguro. Mas, de acordo com o marido, eu não entendo nada de gatos. E nem da estrutura dos gatos. Então, fiquei assistindo. Sem soltar um pio.
E levando susto. Volta e meia os dois se atracavam em algum canto da casa, soltando uns gritos escandalosos, como se estivessem morrendo afogados por uma senhorinha do mal, que além de jogá-los em água fria ainda metia fogo em seus rabos. Nota: Ela conseguia fazer isso por que é do inferno.
Para o bem e a ordem familiar, o marido tomou a decisão de interferir na organização do reino dos gatos. Separando os dois em períodos alternados. Um ficava fechado no corredor de dentro enquanto o outro dominava o jardim. Depois eles trocavam de lado. Ou alguma coisa mais complexa do que isso, que eu jamais poderia entender, por que não entendo de gatos. Mas pelo menos não tinha mais gritos e nem velhas assassinas do inferno.
Aí, coisas estranhas começaram a ocorrer. Ou a velha assassina existia mesmo e estava perseguindo meu marido ou, vai ver, os gatos eram do inferno e estavam tentando dominar a Terra. Não sei. O fato é que o marido ficou achando que era o macho alfa da casa. E tinha que dominar todos pelo bem da ordem. Eu tinha que respeitar as regras de não abrir portas, ou não fechá-las e nunca acariciar os gatos e outras coisas loucas mais.
Felizmente durou pouco. Depois de desrespeitada as regras, as portas todas escancaradas e os gatos já entediados de tanta ordem, tudo voltou a ser como antes. Pacificamente desorganizado. Tranquilamente bagunçado. Sem distinção de classes. Sem macho alfa na casa.
Só quando tem cantoria na rua é que o meu marido fica meio agitado. Mas deve ser o espírito da velha, rondando.

Meditação interrompida

O que eu estou sentindo agora, nesse instante pardo e pacato, é uma irritação profunda. Quanto mais eu tento esvaziar a minha mente pensando na minha respiração entupida e pesada, mas eu me identifico com ela. Mas eu me pareço com ela.

Estou sentada no jardim, buscando sentir toda a beleza da natureza para ver se minha irritação se dissolve com a brisa e, a sua expressão me vem à mente. Você, a sua cor, a sua voz, a sua reclamação, a sua insistência e a sua vontade.

O cachorro me lambe, a mosca zumbi, o sol queima com ódio a ponta do meu pé. A sua voz, as minhas escolhas, os meus erros, os seus momentos, o relógio novo que não sei ver, a irritação coça e eu meto a unha nela. Vai virar ferida se eu não parar.

Está tudo errado. Eu queria estar morando em uma casinha bem perto da praia, e ter uma sala para escrever cheia de janelas de vidros, e cantar com a Malu e ser amiga do chef de cozinha que recita poesias e conversar a noite toda sobre as possibilidades. Eu queria marcar um café com a Lulina e planejar uma volta pelo mundo e criar roupas e andar as sete pela praia.

E ter você. E ter um filho seu. E arrumar o quartinho e publicar livros infantis para quando ele puder ler. E experimentar a combinação das frutas no suco e jogar meche-meche e ganhar quase sempre. E costurar roupas toscas que só eu tenho coragem de usar. E por que você me irrita tanto?

Por que você respira e dorme tarde e não leva picadas de pernilongos sugadores do mal e dorme bem dos dois lados e não tem medo de trovão? E quer ficar comigo todos os dias, e faz massagem e prepara sanduíches e grava filmes de assassinos em série para mim?

Se você continuar sendo assim eu nunca vou poder justificar a minha irritação pontuda por não morar na praia e fazer todas aquelas coisas que vivo repetindo. Eu não vou conseguir meditar e apreciar o movimento da natureza e a culpa vai ser minha e não sua. E não fique tentando dividir a culpa como fazem os casais, que a minha irritação ficará ainda mais pontuda e afiada por eu não conseguir carregar a minha culpa. Eu consigo.

Não fui eu que, junto com você, inventei de ser casal? E que decorei a casa? E quis saber dos pequenos segredinhos? E me abri como o girassol? Então, agora eu que agüente!!

A menininha que mora em mim

Quando eu era criança vivia sonhando com o dia que eu seria uma mulher de trinta. A idade de pensar que o melhor jeito de crescer era virar a mulher gato, mulher maravilha ou uma das panteras, já tinha passado. Só me restava a vida real.
Vocês sabem que criança se vira! O problema era que o mundo não fazia sentido nenhum. As músicas, as propagandas de TV, os meus cipós para vôos certos à vida de mulher, se enroscavam em um nó de informações.
Beth Frígida (se lembram dessa música?) para mim era um erro do cantor! Na verdade ele queria dizer Beth fri-gi-dei-ra. A lição aqui era relaxar para fritar coisas. Misterioso, mas muito preciso.
Ainda na onda da liberação dos temas sexuais do final dos anos oitenta e suas músicas, tinha uma que eu adorava: “Moreno, alto, bonito e sensual. Talvez eu seja a solução dos seus problemas...” E eu pensava: “Ótimo! Se quando eu for adulta algum menino me levantar a saia na hora do recreio, eu ligo logo para esse moreno alto aí!”
Uma que passei anos com medo foi aquela da gatinha manhosa do querido Leo Jaime. Eu achava a música linda, com aquele homenzão sussurrando, mas não me deixava enganar: “Se o cara te chama de gatinha, ele quer te prender!”. Uma pressão terrível!
Minha amiga conta que lá pelos seus 12 anos tinha acessos de riso com o trecho da música do Djavan: “Mais fácil aprender japonês em braile, do que você decidir se dá ou não”. Ela achava graça por que ele não dizia o que queria que ela desse. O Bobão podia sair perdendo se a menina fosse esperta!
As propagandas também eram incompreensíveis. Tinha aquela do desodorante impulse, se lembram? “Se milhões de homens vierem atrás de você, isso é IMPULSE”. E eu, que via que na hora do recreio todos os meninos fugiam das meninas, ouvia a propaganda assim: se milhões de homens vieram atrás de você... isso é IMPUL-SÍVEL! Coitadinha.
Mas aí o tempo passa. Mesmo. A gente faz trinta anos mesmo. As coisas vão acontecendo, as vezes podem se desmoronam e as vezes as nuvens se dissipam e o sol volta a brilhar. Aquela menininha estranha que me habitava no peito foi diminuindo...sumindo... Sumindo nada!
Ainda acho impossível que milhões de homens venham atrás de mim por causa de um desodorante, ligo sempre para o meu moreno alto quando alguém me incomoda no recreio e sinto um pequeno medo quando ele me chama de gatinha. E para usar uma frigideira é preciso muita calma mesmo. Ah não. Não era frigideira...