terça-feira, 30 de agosto de 2011

Meditação interrompida

O que eu estou sentindo agora, nesse instante pardo e pacato, é uma irritação profunda. Quanto mais eu tento esvaziar a minha mente pensando na minha respiração entupida e pesada, mas eu me identifico com ela. Mas eu me pareço com ela.

Estou sentada no jardim, buscando sentir toda a beleza da natureza para ver se minha irritação se dissolve com a brisa e, a sua expressão me vem à mente. Você, a sua cor, a sua voz, a sua reclamação, a sua insistência e a sua vontade.

O cachorro me lambe, a mosca zumbi, o sol queima com ódio a ponta do meu pé. A sua voz, as minhas escolhas, os meus erros, os seus momentos, o relógio novo que não sei ver, a irritação coça e eu meto a unha nela. Vai virar ferida se eu não parar.

Está tudo errado. Eu queria estar morando em uma casinha bem perto da praia, e ter uma sala para escrever cheia de janelas de vidros, e cantar com a Malu e ser amiga do chef de cozinha que recita poesias e conversar a noite toda sobre as possibilidades. Eu queria marcar um café com a Lulina e planejar uma volta pelo mundo e criar roupas e andar as sete pela praia.

E ter você. E ter um filho seu. E arrumar o quartinho e publicar livros infantis para quando ele puder ler. E experimentar a combinação das frutas no suco e jogar meche-meche e ganhar quase sempre. E costurar roupas toscas que só eu tenho coragem de usar. E por que você me irrita tanto?

Por que você respira e dorme tarde e não leva picadas de pernilongos sugadores do mal e dorme bem dos dois lados e não tem medo de trovão? E quer ficar comigo todos os dias, e faz massagem e prepara sanduíches e grava filmes de assassinos em série para mim?

Se você continuar sendo assim eu nunca vou poder justificar a minha irritação pontuda por não morar na praia e fazer todas aquelas coisas que vivo repetindo. Eu não vou conseguir meditar e apreciar o movimento da natureza e a culpa vai ser minha e não sua. E não fique tentando dividir a culpa como fazem os casais, que a minha irritação ficará ainda mais pontuda e afiada por eu não conseguir carregar a minha culpa. Eu consigo.

Não fui eu que, junto com você, inventei de ser casal? E que decorei a casa? E quis saber dos pequenos segredinhos? E me abri como o girassol? Então, agora eu que agüente!!

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