terça-feira, 30 de agosto de 2011

Para ser solteira

Ter na geladeira um vinho branquíssimo e sequíssimo, capaz de refrescar qualquer ponto escuro da solidão. Usar calcinhas e idéias de bolinhas. Verdes, vermelhas e amarelas. Gravar a mesma música 25 vezes e a cada vez poder gritar bem alto: “POR QUÊ? Por quê? Por quê?”. Ter um prazer danado e passageiro. Ser solidão.
Esquecer-se em alguma esquina, padaria ou supermercado e depois encontrar-se feliz da vida. Mas não lembrar-se de que. Fazer anotações simples e poéticas em um caderninho cor de terra e pequenino assim para caber na bolsa. Ouvir três previsões diferentes no mesmo dia só para depois duvidar de tudo. E acreditar em tudo. E deixar o imprevisível para amanhã.
Ser solteira é achar tudo sexy e possível. É perder completamente as amarras. É ver formas em um pingo d’água. É beijar na boca do vento. É adorar mãos e braços. É a vontade de tatuar o futuro no corpo. É um estado de espreguiçar contínuo.
É ficar sozinha. E deliciosamente nervosa e contraditória. É achar tudo impossível. É ver os sonhos tão longes quanto as estrelas. É ter um altar de santos de todas as religiões. E acender uma vela para cada possibilidade. É não ter religião nenhuma.
Ter saudade o tempo todo. Doendo como vício. Da tarde, da noite, do fundo e da janela. É ter frestas para arejar. Encontrar pintas novas pelo corpo. Ter uma pilha de livros ao lado da cama como criado-mudo. Comer montes de uvas e fazer um cavalinho com os caroços.
Querer você sem querer você. Ter um outro você para te substituir e ficar sozinha ao mesmo tempo. Sentar-se no escuro da varanda e olhar bem atentamente a bundinha acesa do vaga-lume. E depois ligar para a mãe dizendo que teve uma premonição.
É ser amada pelo mundo inteiro, dando a volta por todo o céu. E não ser a queridinha de ninguém. É ter descanso. E ficar cansada. Dizer que dessa água não bebe e encher a cara logo depois. É alucinar com homens voadores.
Achar que se a cantada fosse um pouquinho mais sacana, ia dar samba. Dançar até doer. Ficar á beira do mundo, achando que o amor é precipício. E um dia desses: pular.

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